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Canudos - A luta pela utopia real - parte 1

Antônio Conselheiro
“El hombre era alto y tan flaco que parecía siempre de perfil.”
Eis o líder Antônio Conselheiro, no romance de Mario Vargas Llossa, La Guerra del fin del mundo. Não era nem tão alto nem tão magro. No entanto a descrição é perfeita. Llosa captou bem o espírito do Conselheiro, ao esboçar-lhe os traços físicos. Um homem ascético, um místico com pudor de santidade, líder que não guiava o povo mas irradiava paz e confiança. Um homem manso, mas que vai levantar-se contra as injustiças. Que não decreta a guerra nem a ela incita, mas endurece quando chega a batalha.
Antônio Conselheiro é um dos personagens mais caluniados da história do Brasil. Fanático, louco, supersticioso, traidor, ignorante e arruaceiro - dos documentos oficiais estes rótulos passam aos livros de história. Apenas recentemente começou a mudar a imagem falsa que construíram para Conselheiro.
Nasceu no Ceará, em 1828, na vila de Quixeramobim. Aos seis anos fica órfão de mãe. Antes de completar oito o pai casa-se de novo e o menino Antônio Vicente Mendes Maciel será muito maltratado pela madrasta. Torna-se tímido e lembrará a infância como um “período de dor”, mas aprende aritmética, geografia, latim e francês.
Aos vinte e sete anos, com a morte do pai, toma conta da venda da família. Está cheio de dívidas que paga a duras penas. Casa-se com uma prima. Abandona o comércio, vai ser empregado e finalmente juiz de paz em Campo Grande. Depois vive em Ipu, onde se torna requerente do fórum. O casamento não dá certo e sua mulher foge com um soldado.
A partir daí Antônio Conselheiro começa a perambular pelo sertão. Conhecia o sofrimento do povo, a quem defendia no fórum. Nas suas andanças entra em contato íntimo com a miséria. Liga-se à Joana Imaginária, escultora de imagens em barro e madeira, e o misticismo vai tomando conta da sua vida. Com Joana tem um filho e deixa ambos em 1865. Andando, vai para Pernambuco e Alagoas. Passa por Segipe e chega à Bahia.
Já não vaga à toa. Vai construindo cemitérios e igrejas de elegante arquitetura, a pedido dos padres. A imagem já é a do conselheiro que entra para a história: uma bata azul, barbas grisalhas, alpercatas e bordão. Come frugalmente - frutas e verduras.
E prega
É quando começam a vigiá-lo, porque embora seu discurso seja católico, diverge um tanto dos padres. Percebe que os padres estão sempre do lado dos fortes e ricos; fica com os humildes. Uma espécie de anarquista místico: figura impressionante com sua barba e bata azul, chapelão, bolsa com livros e caderno onde anota o que pensa. Fala contra o latifúndio, diz que a salvação do homem virá pelas suas obras e declama os evangelhos em latim.
Discursa vibrando o bordão, escandindo as palavras. Não demora, é preso: o povo já o ouvia atentamente, era um perigo à ordem. Em 1876, não tendo do que acusá-lo a não ser de falar a verdade, denunciam-no como assassino da mãe e da esposa.
Inventa-se uma história fantástica para explicar como ele matou a mãe: ela o havia convencido a simular uma viagem e esconder-se, para comprovar a traição da mulher. Assim fez. Escondido, viu um vulto chegar à sua casa e preparar-se para pular a janela. Seria o amante da mulher: Conselheiro matou--o a tiros. Em seguida entrou e assassinou a mulher. Quando foi conhecer o amante, virando o cadáver, descobriu que era sua mãe , autora da intriga para que ele matasse a mulher.
A partir daí começam a explicar a peregrinação de Antônio Maciel pelos sertões: estaria alucinado e pretendia compensar o assassinato de sua mãe com sua louca pregação. A história, evidentemente mentirosa, pois sua mãe morreu em 1834, quando ele tinha seis anos, e a sua esposa estaria viva em Sobra, serviu para enviá-lo preso a Salvador. Nunca quis falar sobre o “crime” às autoridades, preferindo responder a qualquer pergunta com sua pregação mística, o que aumentava a crença de que era mesmo assassino e . sobretudo, louco.
A prisão de Antônio Conselheiro inquieta o povo. As autoridades baianas mandam-no para o Ceará, com a recomendação de não o deixarem voltar a Bahia, onde os padres não o viam com bons olhos. Em Fortaleza, para onde o remetem, chega maltratado pelas torturas. É a própria imagem de um santo do sertão: magro, seco, vegetariano, dormindo no chão duro e falando que é preciso obter o céu aqui na terra.
Finalmente em 1º de julho de 1876 libertam-no. De tudo, ele tira um ensinamento: é pior difamar do que agredir um homem. Nas sua prédicas, ao comentar a injusta prisão, cita Santo Agostinho: “Mas ofenderam Nosso Senhor Jesus Cristo seus inimigos d’Ele murmuraram do que quando o crucificaram.”, como relata Edmundo Moniz em A guerra social de Canudos.
Livre ele volta à Bahia. Agora tem uma missão. Fez o seu aprendizado e soube o preço. Não é um louco e menos um vagabundo, com a “tendência acentuada para a atividade mais inquieta e mais estéril, o descambar para a vadiagem mais franca”, como afirma preconceituosamente Euclides da Cunha.
É um líder do povo
Deus e o diabo pelejam na terra do sol.
A terra é o próprio inferno, terra do cão, por isso ele sempre vence. A batalha tem que ser ganha trazendo o céu para a terra. Então venceremos o Satanás.
Não é coisa de doido.
Não é fanatismo.
É o povo que entende da pregação de Antônio Conselheiro, quando ele propõem um cristianismo primitivo nos sertões da Bahia. O povo viu os bons morrerem pela independência , ali mesmo na Bahia, e ela não veio, ou chegou para os ricos continuarem explorando. Assistiu o 13 de maio e continuou escravo: não tinha mais pelourinho, mas o jagunço do senhor de terras substituiu mais brutalmente o capitão-de-mato, expulsando o lavradordas roças. E por fim, a malfadada republica, coisa de ateus e maçons, confirmando o mando do coronel e garantindo suas terras ociosas.
Essa visão simples e mitificada não é, apesar das aparências, alienada ou mística. Ela trata de entender, sentir e viver criticamente uma situação que não se pode teorizar, pela própria opressão social e política da sociedade brasileira. Não sabendo explicar teoricamente, não sendo possível planejar politicamente , aplica uma espécie de “crítica mágica” para repudiar a realidade. O misticismo no caso, deixa de ser uma alienação para ser a única arma do sertanejo.
Esse peculiar “sentir religioso” é uma forma de separar-se ideologicamente das classes dominantes. Lembrando Feuerbach, Rui Facó, em Cangaceiros e fanáticos, diz que:
“Ao elaborarem variantes do cristianismo, as populações oprimidas do sertão separavam-se ideologicamente das classes e grupos que as dominavam, procurando suas próprias vias de libertação. As classes dominantes, por sua vez, tentando justificar o seu esmagamento pelas armas - e o fizeram sempre - apresentavam-nas como fanáticos, isto é, insubmissos religiosos extremados e agressivos.”
O sertanejo criou sua religião própria, citando ainda Facó, que lhe serve de instrumento para a luta libertária. A igreja, por outro lado, estabelece uma “religião oficial”, denunciando estes “desvios” libertários das massas como ofensa aos seus dogmas, quando na verdade ofendem essencialmente o sistema de poder. Em Canudos, como em muitos outros movimentos, a igreja fez “o papel de polícia ideológica no meio rural, antecipando-se às forças repressivas”.
Os sertanejos que se uniram em Canudos tentaram construir uma sociedade socialista, segundo Edmundo Moniz:
“... tendo em vista o fato da burguesia unir-se aos latifundiários quando se apossou do poder político com a proclamação da República em vez de efetivar a reforma agrária, tarefa histórica que lhe competia realizar.”
Um dos dramas do povo brasileiro é essa incapacidade de dar o passo decisivo nos grandes momentos históricos. Ao separar-se o Brasil de Portugal as classes dominantes afastaram o povo da luta, em duras repressões, e por isso perdeu-se a oportunidade de liquidar o escravismo já em 1822 ou 24, como propunha, embora dubiamente, José Bonifácio. Perderíamos duas oportunidades de modernizar a economia brasileira: em 13 de maio de 1888 e no 15 de novembro de 1889, quando não se promoveu uma mais justa distribuição de terras e controle do poder absoluto dos latifundiários.
Canudos será a resposta mais trágica do povo sertanejo, tentando livrar-se da condição miserável a que era submetido pelo grande latifúndio. Nesse sentido, é movimento raro na história do Brasil: o único de que não participam as elites intelectuais ou políticas. Todo ele é feito por gente do povo, com idéias próprias, elaborando um cristianismo peculiar que, ao contrário da visão predominante, é extremamente lúcido, já que a consciência crítica condiciona-se à sua realidade social, sua fonte geradora.
A ideologia de Canudos, portanto, tem que ser entendida a partir de uma realidade material. Porém, intelectuais e jornalistas ligados as classes dominates tentaram transformar essa força original e lúcida em expressão fanática, destacando seu discurso místico.
Poucos marxistas, inclusive, percebem que Canudos nega a religião como “um sol fictício”, como dizia Marx, para se mover “em torno de si mesmo” . Os intelectuais que reportam e explicam Canudos fazem-no com a visão de sua classe; são incapazes, justamente por pertencerem às classes dominantes, de entender a inversão revolucionária que os sertanejos fizeram - a harmonia entre seus reais interesses de classe e uma ideologia específica. Da mesma forma são incompetentes ou insensíveis para comover-se com a condição humana do sertanejo, visto como o “outro”, o “marginal”, o “jagunço”, o “bandido” ou por fim, como todos eles entendem, inclusive Euclides da Cunha, o inimigo.
Em meio a esse quadro, Antônio Conselheiro vai pelos setões, pregando e convencendo o povo. Fala de Deus e da religião, de forma que o povo entende que também se fala de justiça e igualdade. Fala da possibilidade de um novo mundo, livre da exploração e miséria. Cita, desmentindo ser um ignorante, s grandes utópicos, como Tomás Morus, por exemplo.
Prega a obediência civil como reação às leis injustas.
Acontece que no sertão todas as leis são injustas: a lei é a do senhor latifundiário. A “lei civilizada” é ficção para uso e deleite dos intelectuais da elite, influenciados por estranhas “ciências” européias que os induzem a acreditar que mestiços e pobres são uma raça inferior.
Desde 1888 Conselheiro vinha sendo seguido por multidões de ‘gente inferior” - ex-escravos, vagabundos, marginalizados. Uma de suas primeiras ações nesse período acontece em Bom Conselho, quando reúne o povo, faz uma breve prédica e manda arrancar o edital de cobrança de impostos. O povo obedece, queima o edita e faz festa, com foguetes e banda. Começa a trajetória propriamente política do Conselheiro. Uma patrulha de 35 soldados tente prende-lo mas é dispersada pelo povo. Daí para frente será sempre perseguido como um perigo social. É então que depois de muito ameaçado leva seu povo, e todos os que chegam, para o Belo Monte e ali funda a sua utopia.
Bem real, enquanto durou.
A cidade foi levantada em 1893, perto do rio Vaza-Barris. Chamava-se Belo Monte, mas passou para a historia como Canudos, nome dado pelos inimigos, referindo-se aos bambus que ali cresciam, como canudos, e, aos mesmo tempo negando-lhe o carisma de seu verdadeiro nome. A notícia correu pelos setões. Fazendas e vilas despovoavam-se porque em Belo Monte “havia descido o céu”. Não tinha polícia do governo e o trabalho era igual para todos. Não se pagavam impostos e bastava levantar casa onde o Conselheiro indicasse. Toda a produção era distribuída de acordo com as necessidades de cada um.
Nunca houve roubo.
Nunca houve opressão.
Todos eram livres e iguais.
Todos trabalhavam.
E rezavam, dando graças ao Senhor Bom Jesus.
Canudos teve 35 mil habitantes. De longe, parecia um presépio: as casas amontoavam-se, desordenadamente. Só havia uma rua e, no seu início, a primeira igreja, onde Antônio Conselheiro pregava. Posteriormente começou-se a construir outra capela.
Muitas vezes apresentou-se a cidade de Belo Monte como uma prova da incapacidade dos sertanejos, mas tudo nela, como demonstra bem Edmundo Moniz em A guerra social de canudos, tinha razão de ser. A aparente confusão das casas obedecia uma estratégia de defesa, pois o Conselheiro sabia que o governo da República os atacaria. As casas eram dispostas de forma impedir uma invasão de tropas regulares, servindo cada uma de trincheira para a outra.
Canudos não tinha cadeia. Os presos, raros os inadaptados ao regime de igualdade, eram detido em casas comuns e depois expulsos. Antônio Conselheiro teve o cuidado de verificar, antes de decidir-se pelo local, que para chegar a Belo Monte qualquer invasor teria de atravessar caminhos difíceis e próprios para emboscadas.
Ali erigiu sua utopia.
Uma utopia real, que nunca teve polícia ou cobrador de impostos. Onde, ao contrário do sertão, havia duas escolas para as crianças. Onde as decisões eram tomadas à noite, após o trabalho, com a participação de todos.
Plantavam-se e criavam-se cabras.
Uma das fontes de renda de comunidade foi a venda das peles de cabra, que a Republica exportava, inclusive. A importância da cabra na economia de Canudos, alias, é um estudo ainda a ser feito. Dava o alimento - leite e carne - e o couro para roupas e sapatos. O excedente vendia-se a comerciantes que o levavam para Salvador: a exportação do couro de cabra chegou a ser um dos mais importantes itens da economia baiana. Dos chifres desses animais os sertanejos faziam pentes, bijuterias, piteiras para cachimbos e, quando chegou a guerra, até balas de munição.
Canudos era um oásis no deserto da fome brasileira: ali não havia miséria alguma. Enfim era um magnífico exemplo para o povo e não podia ser aceito pelas classes dominantes. Era prova de que é possível, e quem o provava era um bando de “fanáticos” e mestiços, tendo um estranho profeta maluco a guiá-los.
Se Canudos não fosse destruída outros Belos Montes surgiriam pelo sertão baiano. Começou então uma campanha contra a comunidade sertaneja. Primeiro foram os padres, para lá enviados na tentativa de convencer os “conselheiristas” de que viviam em pecado e heresia. Embora fossem admitidos e tivessem liberdade de pregar tanto quanto o Conselheiro, ninguém os ouvia. Eles chegavam prometendo o céu para depois da morte, mas o povo de Canudos já o tinha transferido para a terra , expulsando o diabo e vivendo com recato e pudor, livre e satisfeito nas suas necessidades básicas; os padres eram gordos e gordurosos, defensores dos coronéis que defloravam as filhas do povo e deixavam o povo morrer de fome.
Com uma utopia tão real não houve discurso que vencesse. Em alguns sentidos Canudos antecipou-se às conquistas que, ainda hoje, são de pequenos grupos sociais. Por exemplo, a mãe solteira era bem acolhida e o casamento era uma opção: o amor livre era respeitado e a mulher que não quisesse casar não era obrigada a abster-se sexualmente. Numa sociedade livre como a de Canudos isso era normal, e foi aproveitado pelo cinismo dos padres para denunciar a comunidade como depravada. Mesmo quando se sabia que os padres do interior baiano, na época, eram amamcebados e cheios de filhos que raramente conheciam.
Nunca houve estupro ou violência sexual em Canudos, até a chagada das tropas do governo para “civilizar” o sertão. Quando se dizia a Antônio Conselheiro que uma moça solteira se entragara-se a um homem, ele respondia com seu pitoresco comentário: “Surgiu o destino de todas; passou por baixo da árvore do bem e do mal.”
Ninguém atirava a primeira pedra.
Numa comunidade pacífica, onde ninguém atira pedras, isolada em meio ao sistema capitalista brutal como o existente no Brasil, o poder logo atira bombas. As bombas já tinham começado a atingir Antônio Conselheiro dez anos antes, em 1887, quando o bispo da Bahia dizia que ela estava “pregando doutrinas subversivas e fazia grande mal a região e ao Estado”.
Em 1887 o Estado a que ele “fazia mal” era monárquico. No entanto um dos pretextos para se destruir Canudos foi o seu monarquismo, não faltando a denúncia de que Conselheiro recebia dinheiro e armas de fora do Brasil para derrubar a República. Durante a guerra chegou-se a noticiar que ele tinha oficiais austríacos comandando seus homens.
O pretexto para a guerra contra Canudos foi a pretensa invasão de uma vila, por Conselheiro, para conseguir madeira. Na verdade, por trás de tudo, o motivo real era destruir um “mau exemplo” de liberdade popular. Havia também o interesse político no episódio, favorecendo as disputas entre os republicanos.
Canudos enfrentou quatro expedições militares. A cada uma delas, repelida, seguiu-se outra mais forte, com mais soldados. Na verdade são cinco expedições, pois a ultima, teve uma derrota, retrocedeu e rearmou-se para finalmente destruir Canudos.
A primeira expedição, com cem soldados comandados pelo tenente Pires Ferreira, partiu de Salvador em 7 de novembro de 1896. Dirigiu-se a Juazeiro, que pretensamente seria invadida por Conselheiro em busca de madeira. Não houve invasão alguma e o normal seria a volta dos soldados, mas o tenente resolveu encontrar os “inimigos” pela estrada do Uauá, pretendendo chegar até Canudos. Desinformado sobre Canudos e seu líder, não acata e acha absurdas as advertências do povo de Juazeiro de que sua missão é suicida. Na tarde de 12 de novembro de 1896, antecipando em um dia a saída para não começar a campanha contra os “fanáticos supersticiosos” no dia 13, começa, com dois guias, a marcha pelos duzentos quilômetros que o separam de Canudos.
No dia 19 está em Uauá com seus soldados. Ao despertar, na manhã seguinte, percebe uma multidão de “conselheiristas” que chegam de Canudos - mulheres, velhos e crianças em procissão, cantando e rezando - para fazer-lhe um apelo pela paz.
Porém, pensando que fosse uma cilada a tropa abre fogo. Uma pequena guarda que acompanhava a procissão reagiu com seus trabucos antiquados. Os caboclos comandados por Quinquin Coiam atacam os soldados com foices e paus. Os soldados se apavoram e gastam toda a munição, trava-se uma luta corpo a corpo durante cinco horas. Morrem dez soldados, um sargento e os dois guias, ficando vinte feridos. O médico militar enlouquece, impressionado com a luta.
Essa primeira tentativa absurda de “conquistar” Canudos, terminada em rápida derrota, irritou as autoridades. As expedições seguintes seriam definitivas e bem armadas. Tornava-se uma ‘questão de honra”: em todo país a notícia de que um bando de fanáticos vencera a tropa do governo causava críticas e inquietação. Dentro do Exército nascia um sentimento de desforra: era inadmissível ser derrotado por uns pouco jagunços.
Os militares que fariam a guerra contra o Conselheiro pouco sabiam de Canudos. Tanto da sua situação geográfica e física - cinco mil casas “atravancadas” sobre várias colinas - quanto do seu tipo de comunidade. Avaliavam mal o significado dos duzentos quilômetros que separavam esta vila da estação ferroviária, em Queimadas, sem nenhuma intermediária.
Dirigiam-se para lá tropas de todo o Brasil, para combater num terreno muito diferentes do que conheciam. As dificuldades de abastecimento agravavam-se com o precário transporte por terras onde os sertanejos emboscavam. A sede central desse exército ficava em Salvador, a seiscentos quilômetros de Canudos.
Enquanto esse exército dependente de marchava, sofrendo fome algumas vezes, a divisão de tarefas em Canudos facilitava os preparativos para a resistência. O tipo de luta dos sertanejos - guerrilha, emboscada, tocaia, ataques com pouca gente seguidos de fuga - permitia-lhes usar armas leves e antiquadas, tirando grande proveito dos facões e foices. Podiam fabricar ferrões e lanças em suas forjas e consertar nas suas oficinas as armas de fogo.
A segunda expedição, chefiada pelo major Febrônio de Brito, teve trezentos soldados do exército e cem da polícia militar baiana. A confusão se estabeleceu de início: tanto o governador da Bahia como o comandante do distrito militar do governo federal davam ordens, pretendendo cada um impor sua autoridade. Aos quatrocentos soldados Febrônio conseguiu juntar mais 250, além de metralhadoras e canhões, e em 25 de novembro de 1896 partiu para Monte Santo, de onde atacaria Canudos.
Essa expedição não tinha marchado 25 quilômetros quando foi retida: uma nova tropa, agora chefiada pelo coronel Pedro Tamarindo, deveria unir-se a ela.
Depois de várias intrigas políticas entre o governados Luís Viana e as autoridades federais, só em 25 de dezembro de 1896 o major Febrônio chegou a Monte Santo. Tinha razão seiscentos soldados, dois grandes canhões e duas modernas metralhadoras. Organiza-se e somente em 12 de janeiro de 1897 marcha para vencer Antônio Conselheiro.
Seria fácil: por isso deixou um terço da munição em Queimadas e recusou a ajuda em mantimentos de alguns fazendeiros. Marchava para uma “guerra padrão”. Em três colunas, com artilharia pesada entrou na caatinga. Dois dias depois, com os soldados já exaustos verificou surpreso que a “munição de boca” tinha acabado. Estavam a dez quilômetros de Canudos e seria perigoso voltar, teriam que avançar, combater e vencer, para escapar da fome.
O sol baiano queimava. Carros de bois ficavam sem tração: os tropeiros contratados fugiram levando os animais. Os soldados tiveram que empurrar os carros. Era 15 de janeiro de 1897. De repente, viram o inimigo: sertanejos entrincheirados nas pedras, insultando-os:
- Avança, fraqueza do governo!
O susto foi grande. Os oficiais tiveram trabalho para impedir a debandada da tropa, mas o canhão, que pela primeira vez soou naquelas terras, confundiu momentaneamente os sertanejos. No entanto, comandados por João Grande, um negro esperto e corajoso, logo aprendeu a evitar o bombardeio. O combate durou cinco horas. Às 15 horas os sertanejos silenciaram seus trabucos e desapareceram.
Ignorante das táticas dos sertanejos, o major Febrônio acreditou ter ganho a batalha: afinal conquistaram a posição, mas veio o dia seguinte, 16 de janeiro, e de surpresa os sertanejos atacaram com armas brancas. A luta foi entre facões e punhais, foices e baionetas. Raros tiros à queima roupa. Os oficiais perderam o controle sobre os soldados. Não tardou os sertanejos “fugiram”. Novamente o major Febrônio entendeu ter havido vitória ao seu lado.
Não demorou a perceber o engano: estavam cansados, não haviam progredido realmente, e, o mais grave, tinha gastado quase toda a munição, ficando praticamente sem projéteis para a artilharia. Assim, estavam impossibilitados de conquistar Canudos. Não havia saída: teriam que se retirar, pois um novo confronto com os sertanejos poderia ser o fim. A retirada foi terrível. O caboclo Pageú, que ficaria famoso, tornou ainda mais sofrida a figa oficial, atacando de surpresa onde o terreno dificultava a caminhada da tropa.
Finalmente os sertanejos encurralaram os soldados em Bendegó de Baixo. Por pouco não conseguem exterminar a tropa. Os fugitivos chegam a Monte Santo esfarrapados, famintos, carregando os feridos. A população recebe-os com visível desprezo. A notícia se espalha: Conselheiro pôs a “fraqueza do governo” a correr.
É então que entra em cena um dos mais trágicos personagens dessa guerra contra o povo do sertão. O coronel Moreira César foi escolhido para chefiar a terceira expedição contra Canudos. Truculento, epiléptico, frágil e obcecado, é um dos mais conceituados militares republicanos florianistas, justamente porque exerceu essas “qualidades” reprimindo os federalistas de 1893, em Santa Catarina.
Em 3 de fevereiro de 1897 deixa o Rio, com destino a Salvador, de onde partirá para a caatinga, na tentativa de pôr fim ao reinado de Antônio Conselheiro. Chefiará uma grande tropa : terá 16 milhões de tiros disponíveis para o mais moderno armamento que o exército brasileiro dispõe. Leva oficiais experimentados e muito dinheiro. Não pode falhar, pensa o governo.
No entanto, repete todos os erros de Febrônio. Seus soldados usam as tradicionais fardas azul-vermelhas, destacando-se como alvo fácil na caatinga. O pano do uniforme prende-se aos espinhos do mandacaru, dificultando os movimentos, enquanto os sertanejos protegem-se com suas roupas de couro de cabra. Além de tudo, obcecado por um ataque global, Moreira César não leva em conta a extrema mobilidade dos sertanejos, que aparecem e somem entre o mato, evaporando em meio às pedras.

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